Se afastar foi o que restou: sobre a dor silenciosa da tendência antissocial
- Wallyson Pereira dos Reis
- 15 de abr.
- 3 min de leitura
Autor: Psicanalista Wallyson Reis

Existe um tipo de dor que não se expressa em lágrimas nem em palavras. Uma dor que aparece em silêncio, no sumiço, na raiva súbita, na apatia — ou até na insistência de estar só. Essa dor, para Winnicott, pode estar ligada ao que ele chama de tendência antissocial.
Mas é importante dizer desde já: essa "tendência" não é sobre maldade, desvio ou falta de caráter. É sobre um pedido. Um grito silencioso.
“A tendência antissocial expressa uma esperança, que é a de que o ambiente perdido será reencontrado e restaurado”— D. W. Winnicott, A tendência antissocial, 1983¹
A pessoa que parece não querer estar com ninguém, na verdade, talvez só esteja gritando por um tipo de presença que lhe faltou — e que ainda espera reencontrar.
O outro como ameaça? Ou como possibilidade?
Muitas vezes confundimos o contato com o outro como uma espécie de risco: “se me aproximo, posso me machucar”, “se me abro, posso ser rejeitado”. E isso pode ser real, sim. Mas não é tudo. O outro não é só ameaça.
O outro também é possibilidade. De espelho, de troca, de afeto. De transformação.
A construção da saúde mental não é um processo isolado. Ela se dá na relação — e não apenas no sentido romântico ou familiar. Ela se dá no encontro cotidiano, nos vínculos, nas presenças. É no olhar do outro que, muitas vezes, conseguimos nos ver melhor. É na escuta que encontramos palavras para coisas que antes pareciam apenas angústia solta.
Não se trata de dependência. Trata-se de reconhecer que somos feitos de relação. O outro não é muleta — é horizonte. Um objetivo relacional.
“É na experiência de ser sentido como real por um outro que começamos a habitar o nosso próprio corpo.”— Lucas Veiga, Performance e Clínica, 2021²
Performance como presença viva
Performance, aqui, não como encenação ou falsidade. Mas como presença. Como afirma Lucas Veiga, performar pode ser justamente o contrário de fingir: pode ser um ato radical de existência.
Estar com o outro, então, é também um gesto performático — no sentido de presença viva. É no encontro que a subjetividade se mostra em ato. E mais ainda: se transforma. O que nos cura, às vezes, não é o que dizemos, mas o que alguém sustenta com a gente.
Estética relacional: o que criamos juntos
O curador e teórico francês Nicolas Bourriaud cunhou o conceito de estética relacional para falar da arte que não está no objeto, mas na experiência entre pessoas. É uma estética do vínculo. Do encontro como criação.
“A arte relacional considera a inter-humana como seu horizonte teórico e prático: o conjunto das relações humanas e seu contexto social”— Nicolas Bourriaud, Estética Relacional, 2009³
Essa ideia também pode ser aplicada à vida psíquica. Há uma estética em cada encontro verdadeiro. Há forma e conteúdo nas relações que criamos.
E é nesse sentido que a clínica psicanalítica, longe de ser uma análise fria e solitária, pode ser um lugar de criação relacional. Não um conserto. Uma invenção. Um reinício.
Um convite para o início
Se você sente que está sempre se afastando, que a presença dos outros pesa ou que algo em você se esconde mesmo quando tudo parece bem — talvez não seja só “seu jeito”. Talvez seja o eco de algo que não foi dito, não foi vivido, não foi acolhido.
Este texto é um convite. A estar. A se escutar. A construir uma presença sua — com o outro.Não para depender. Mas para viver com. Para ser com.
Porque no fim, como dizia Winnicott, “é o encontro que cura”.
Referências
Winnicott, D. W. A tendência antissocial. In: O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.
Veiga, Lucas Bulamah. Performance e clínica: política da presença. São Paulo: n-1 edições, 2021.
Bourriaud, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
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