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Há Mais Desejo na Margem que no Centro: Por uma saúde mental inventiva

  • Foto do escritor: Wallyson Pereira dos Reis
    Wallyson Pereira dos Reis
  • 28 de abr.
  • 3 min de leitura



Autor: Psicanalista Wallyson Reis


"No centro, a vida morre de excesso de controle. Na margem, ela renasce no risco e na invenção."

O centro é o espaço da domesticação. Ali, o desejo é capturado, regulado, gerenciado para que se adeque a um modelo único de existência. Na margem, o desejo respira. Ele pulsa, escapa, cria, mesmo sem garantias, mesmo sem aplausos. Há mais desejo na margem porque nela a vida ainda insiste em inventar formas de ser para além das promessas de perfeição.

Habitar a margem não é apenas resistir; é produzir. Produzir novos modos de vida, novos modos de cuidado, novas formas de presença. A marginalidade, longe de ser sinônimo de falta, é espaço de excesso: de imaginação, de reinvenção, de força.

A saúde mental, pensada a partir desse ponto de vista, não é um processo de adaptação às normas do centro, mas uma arte de habitar territórios possíveis, vivos, instáveis. Winnicott nos lembra que viver criativamente é essencial para a saúde: e onde mais o gesto criativo é convocado a existir senão na margem, onde a norma se desfaz?


Habitar a margem é inventar existência.

Atravessando essa perspectiva, a Pedagogia das Encruzilhadas, proposta por Luiz Rufino, nos ensina que a vida se desenha na travessia, e não na fixação de rotas únicas. A encruzilhada não é um impasse; é uma abertura. Existir na encruzilhada é reconhecer a multiplicidade dos caminhos, é habitar o trânsito, é construir saúde na capacidade de mover-se, de fazer alianças inesperadas, de aceitar que o sentido da vida não está na linha reta, mas na dobra, na curva, na troca.

Nesse contexto, descolonizar a saúde mental torna-se urgente. O paradigma colonial estruturou modos de subjetividade baseados em ideais normativos de sanidade, sucesso e completude. Esses modelos impuseram centros rígidos como meta de vida: o ideal de felicidade, o ideal de sucesso profissional, o ideal de saúde emocional como adaptação perfeita. A decolonialidade nos propõe outra coisa: reconhecer que a saúde também habita o que é transitório, híbrido, relacional. Descolonizar o desejo é libertá-lo da obrigação de se justificar diante de um tribunal invisível. É afirmar a legitimidade da margem como espaço de criação de modos de vida.

Pensando com Deleuze e Guattari, somos territórios. Territórios móveis, instáveis, em constante composição e decomposição. Cada encontro é um acordo político — no sentido profundo da palavra política: pactos de coexistência, de atravessamento, de reorganização de fronteiras vivas. Habitar a saúde mental, neste sentido, é rever continuamente nossos acordos políticos com os territórios que somos e com os territórios que nos atravessam. É permitir que nossas relações deixem de ser conquistas para se tornarem travessias, redesenhando fronteiras com cuidado, presença e coragem.

Há mais desejo na margem porque a margem é movimento. A margem é possibilidade. A margem é vida ainda não colonizada.

Rever nossos pactos, reconstruir nossos modos de existir, abrir espaço para a invenção de territórios possíveis — é esse o chamado que a margem nos faz.

Decolonizar o desejo é permitir que ele floresça sem mapas prontos. É acolher a potência que existe no risco de ser o que ainda não foi. É habitar a encruzilhada como quem sabe que todo começo verdadeiro nasce do encontro entre caminhos improváveis.

Que possamos, cada vez mais, habitar as margens, as encruzilhadas e os movimentos — onde a vida pulsa mais livre e o desejo encontra, enfim, lugar para respirar.


Referências

  • Rufino, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Mórula, 2019.

  • Deleuze, Gilles; Guattari, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Editora 34, 1995.

  • Quijano, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. In: A Colonialidade do Saber, CLACSO, 2005.

  • Sueli Carneiro. Escritos de uma vida. Jandaíra, 2023.

  • Mbembe, Achille. Necropolítica. n-1 edições, 2018.

  • Winnicott, D. W. O Brincar e a Realidade. Imago, 1975.

 
 
 

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“Adoecemos quando perdemos a continuidade da existência.” - Winnicot

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